Pouca vogal e muita qualidade musical


"Mas te vejo e sinto o brilho desse olhar, que me acalma, me traz força pra encarar tudo. 
O amor é maior que tudo, do que todos." 

Na última sexta-feira fui conferir o show de Pouca vogal no Campestre. Confesso que a motivação inicial foi Humberto Gessinger, líder do Engenheiros. 
Na portaria da festa, o ingresso que antes custava 50 reais baixou para 15, pois havia um forte concorrente: uma festa elitizada, com o vocalista do Jammil e o tecladista do Asa de Águia.  
A caminho do Campestre, recebemos uma oferta de entrada free na festa elitizada, mas resistimos e seguimos nosso propósito primeiro.
Ao longo do show, ficamos impressionados com a qualidade musical do dueto e nos regozijamos com a escolha acertada. 
Ali mesmo, começamos a divagar sobre a dicotomia "qualidade musical - público restrito". O show de Pouca vogal, de muita qualidade, apresentava um público pequeno, o que provavelmente não deve ter acontecido na festa concorrente. Marcus, muito mais racional, questionava até que ponto um artista-que-não-vende-a-alma-ao-diabo em nome da popularidade estaria sendo sábio. Eu, muito mais romântica e sonhadora, defendia que mesmo fora das "paradas de sucesso", o que importava era a satisfação pessoal do artista, ainda que isso significasse pouca gente e pouca grana.
Infelizmente, esta relação "muita qualidade - público restrito" é coerente com a cultura do nosso país.

Pra que tanta inteligência? Por que que tanta emoção?
Qualquer coisa em excesso faz sucesso meu irmão
Tanta gente com certeza, quanta gente sem noção
Em excesso até o fracasso faz sucesso por aí
E eu tenho fé na força do silêncio
Se as cores vão berrando no sol ensurdecedor
Fecho os olhos, outro mundo, vou morar no interior
Pouca vogal(Duca Leindecker)  


Nas paradas de sucesso: Lady Gaga, Justin Bieber, NxZero, Hori, Restart, Cine (e demais coloridos!), Luan Santana, LevaNóiz, Forró do Muído, Reginho e banda surpresa, etc. etc. etc. e logo aparece o “repúdio intelectualizado”.
Respeitando minha completa ignorância musical, acredito que esses artistas só fazem sucesso porque há um público IMENSO para eles, do contrário, não apareceriam no Faustão, Esquenta, Caldeirão do Huck, Programa do Gugu, e demais mídias. 
A meu ver, é uma relação análoga à do mercado: um produto só continua a ser vendido porque há quem o compre. Certo, Felipe Neto?  http://www.youtube.com/watch?v=KCnouVHROPo
Se nós, brasileiros, fôssemos bons leitores e tivéssemos uma bagagem cultural no mínimo razoável, compreenderíamos as letras de Chico Burque; teríamos Paulinho Moska, Edu Lobo, Caetano, Gil, Lenine, Nando Reis, Ana Carolina, Marisa Monte, Djavan, Zeca Baleiro “bombando nas paradas de sucesso”; teríamos os imortais Machado de Assis, João Ubaldo Ribeiro, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, José Lins do Rêgo, Graciliano Ramos, e os atuais Moacyr Scliar, Brandão, Luís Fernando Veríssimo, Raduan Nassar RICOS ao invés de Dan Brown, Augusto Cury, Paulo Coelho, Arnaldo Jabor, "Crepúsculo e derivados"...
Como eu posso esperar que uma nação dona de uma leitura caótica ache gosto em músicas com letras bem elaboradas ou em livros recheados de imagens poéticas, subentendidos e com magnífica literariedade?
De nada adianta querer fuzilar, exterminar estes artistas. Daqui a dois, três anos mudarão apenas os nomes, o cabelo, a roupa e a carinha... o “produto” a ser vendido será o mesmo, compatível com a massa que o consume.