Cadê vida no face?


Resisti, relutei em comentar o que parece ser a cartilha do bom comportamento dos usuários do facebook, mas agora me dou por vencida. Quem tem o hábito de ler ou escrever com frequência, compartilha comigo aquele incômodo de só conseguir dormir ou pensar com clareza quando recorre ao livro mais uma vez para devorar, como um animal à sua presa, o capítulo tão esperado, ou quando escreve o que vem lhe sufocando, e nós, inocuamente, adiamos tal ‘sessão de análise’. 
Não sou socióloga, muito menos analista do comportamento humano nas redes sociais, mas salta à vista algumas bizarrices que me incomodam enquanto ser social. A sensação que tenho é a de que regressamos à Revolução Industrial, com a produção de usuários em série e com o mesmo padrão de ‘qualidade’(?). E no meu ‘fantástico mundo de Bob’, vejo vários Charles Chaplin apertando botões de roupa no meio da rua, logicamente desprovido do talento que lhe é peculiar, o que torna as páginas da rede rotineiramente entediantes. É “como se a alienação fosse uma ‘virtude’ — para não dizer ‘necessidade’ – social”.
Via de regra, nos deparamos com a babaquice da semana: um vídeo, música ou frase imbecil que alguém protagonizou e virou o ‘hit’ do momento, com milhões de curtidas e compartilhamentos, o que talvez se justifique pelo seu próprio caráter imbecil. Por outro lado, há uma atmosfera de perfeição, de bom-mocismo [como diria meu tio Guga] que é de causar náusea em seres menos engessados. Por exemplo, fico indignada quando uma amiga bem horrorosa posta uma nova foto e nos comentários aparecem: ‘lindaaaaa’, ‘perfeitaaaaa” Porra! todo mundo tá vendo que a colega é feia pra caralho e você me vem com essa? Coloque que está com saudades, que a fulana é especial, estilosa, sei lá, qualquer coisa diferente de ‘linda’ ou simplesmente não comente NADA! 
E há os que comentam muito, e os que postam muito, obsessivamente, sobre o mesmo tema. A meu ver, qualquer assunto sobre o qual você fale repetidamente torna-se um saco! Eu creio em Deus e sou batizada, mas pelo amor de Jesus Cristo, facebook não é o púlpito do pregador, muito menos o apocalipse com seu juízo final... Suas publicações gospel, a cada milésimo de segundo, não lhe trará a redenção dos seus pecados, menos ainda a salvação.      
É o imperativo da superexposição da vida [ou seria do status?], com narrativas detalhadas sobre o que comeu, o que bebeu, se agora vai tomar no c*, ops, se vai tomar banho ou se vai na padaria comprar pão. "Check-ins me irritam. Pra que danado eu quero saber onde fulano está?"(...) "há aquelas pessoas que usam o Facebook quase como um diário... só falta a clássica frase inicial "Querido diário..." e o "detalhe" que, no Facebook, as postagens são públicas para os amigos. E (é claaaaaro) o marketing pessoal! Pelo amor de Deus, tem gente que não pode acabar um namoro que tem que postar fotos de si, acreditando ser uma forma de se valorizar (oi?) e aí posta fotos quando acorda, quando deita, pronta para academia (que acabou de se matricular pós fim do namoro), pronta para balada, no trabalho (indo e voltando do mesmo), na aula, na terra, no céu e no mar! E por aí vai... é a treva!" E unhas da semana e looks do dia? "agora é moda o povo colocar seus looks... Ou seria necessidade de status ou ainda necessidade de integração social tal qual a pirâmide de Maslow?! Não sei, mas de qualquer forma, acho desnecessário, fútil e cansativo aos olhos de quem vê!" (...) 
E o que dizer dos pseudo-intelectuais do facebook? "Os falsos cultos com citações de autores sem conhecer 0,001% da obra, nem mesmo se o texto é daquele autor " e temos os campeões: Clarice Lispector, Caio Fernando Abreu (que já virou sigla CFA), Martha Medeiros, Wesley Safadão (Jesus!). Juro a vocês que tenho amigos que ainda não li uma única frase de sua autoria...todas as publicações aparecem entre aspas e acredite, isso também é um saco! Por outro lado, há "os falsos poetas com frases sem nexo". Dos erros de ortografia, prefiro nem comentar! Tenho apenas que me preparar psicologicamente, todo dia, pra não infartar.
Há uma plasticidade no modus operandi dos usuários e eu, tal qual os personagens sociopatas de Rubem Fonseca, num título que vem a calhar: “E do meio do mundo prostituto, só amores guardei ao meu charuto”, me comprazo com as subjetividades desmedidas, as reações impulsivas, as não veladas, as não calculadas, as não racionalizadas, as não facebookizadas... Chego a vibrar quando leio um ‘puta que pariu’, ‘caralho’, ‘vá se fuder’, ‘seu filho-da-puta’, ‘vai tomar no cu’, na esperança que aquilo represente alguma  vitalidade e então percebo que até os xingamentos estão perdendo sua força expressiva e virando modinha, frases de aprovação e de cumprimento entre amigos. Pronto, meu mundo caiu!
Há pouco tempo, a publicação de uma amiga sobre o fim de seu casamento me veio como um tapa na cara... em meio a tanto plástico, li algo que pulsava, respirava e tinha sangue correndo nas veias. Com a permissão da autora, compartilho com vocês esse suspiro de vida no facebook:

Primeiro eu quero pedir desculpas as pessoas que me amam e que muito me aconselharam a não me expor aqui. De que outras formas posso ser ferida?
Eu divulguei minha felicidade, as fotos do meu namoro, do meu casamento. Eu escrevi sobre ter sido escolhida pela felicidade e sobre ter dito sim. Agora eu vim aqui falar de dor.
Sim, meu casamento acabou.
Sim, meu marido está de novo com a ex-namorada.
Sim, eu os ouvi no celular. Sim, eu quis enfiar uma faca em seu peito na esperança de amenizar minha dor. Sim, meus pais chegaram e tempo e me levaram de volta pra casa.
Passei quarenta e oito horas chorando. Ao meu lado, família de sangue, família Leite e amigos.
Creio eu, que muitas outras pessoas oraram por mim, foram solidárias ao meu momento e me disseram isso com um olhar, um abraço, uma palavra de carinho.
Obrigada, obrigada, obrigada.
Houve também quem fizesse comentários indevidos, ao tentar me contar há quanto tempo eles haviam voltado, das vezes e por onde estiveram quando eu achava que ele estava em Mossoró trabalhando e dormindo cedo.
A essas pessoas eu também digo “Obrigada”, mas nada acrescenta nas minhas decisões ou caminhada para a cura. Basta. Tudo já está resolvido da maneira que Deus achou melhor.
Deixei Hiago, família, amigos, minha vida, empregos, possibilidades profissionais... Principalmente, por crer no imenso amor que até o começo da noite de sábado ele dizia sentir.
Cada palavra foi considerada. Eu disse sim a vida que me foi proposta porque FOI MUITO VERDADEIRO DE MINHA PARTE.
Passei ontem pela rua com as últimas coisas que tirei da casa onde moramos. Na avenida principal, chorando tanto que mal conseguia dirigir. Exposta... Mas eu não tenho intenção de me escovar, me maquiar, botar um salto e sorrir ao mundo. Estou ferida, me sentindo instrumento de vingança. Estou doente. Mal consigo andar com uma crise de coluna, não tenho fome e só durmo sob efeito de remédios.
Ajoelho-me todas as noites e agradeço a Deus por não ter permitido que Maria viesse fruto de um amor que só existiu em mim. Agradeço pelas pessoas que tenho, por tantas demonstrações de amor e cuidados. Pelas sábias palavras que meu filho Caio diz ao enxugar minhas lágrimas. Sou uma mulher abençoada demais.
Sinto muito pelas pessoas que tripudiam do meu momento e se vangloriam da vitória pelo fim dessa relação. Espero do fundo desse coração que permanece sincero, que valha a pena.
Que Deus e nossa Senhora do Perpétuo Socorro (Da qual ele diz ser devoto) o abençoe agora e sempre. Que ele colha apenas o que plantar.
Agora vou abraçar meu filho grande, matar as saudades de meus irmãos, meu cunha, minhas amadas sobrinhas, meus outros amigos e o acolhimento de uma terra chamada Bahia.
Mas eu volto. Porque quero ser feliz aqui. Amém, Deus? (Magaly Medeiros)

E prontamente, acrescentei meu comentário: "São essas coisas que fazem o facebook valer a pena. Parabéns pela autenticidade, pela coragem de se mostrar como ser humano que somos, frágeis, sensíveis e indefesos, e não um ser plastificado, com as máscaras milimetricamente pensadas para os personagens que criamos nas redes sociais." 
Com toda minha ignorância no assunto, acredito ser o perfil do facebook a máscara da máscara. Vejamos: no nosso mundo físico, ‘real’, comumente exibimos o personagem que gostaríamos de ser e de nos mostrar aos outros e, baseado nesse fake, criamos um outro: o do facebook. Não me abstenho de nenhuma culpa, uma vez que também estou inserida nesse contexto e por já ter realizado algumas ações que hoje recrimino. Acredito que o ponto central seja o bom senso! Bom senso que definitivamente não se faz presente quando 'as pessoas curtem quando um usuário publica que seu pai morreu" (como assim?), ou nas postagens de fetos em lixo ou bebês deformados, de pessoais mutiladas ou  resto de corpos em acidentes, de animais mortos ou doentes, ou aqueles usuários "que compartilham bebês mortos como referência de que é contra aborto (irônico, né?); ou os que acreditam que qualquer compartilhamento vai salvar todas as vidas dos desnutridos da África", ou ainda  que "o simples fato de mudar a foto do perfil para um personagem de desenho animado é uma forma de protesto (oi?) contra a violência na infância."
E a vitrine perfeita para os relacionamentos perfeitos? Os "namoros fakes?! No facebook é o maior amor do mundo e na vida real é o cacete comendo no centro e gaia bidirecional". "Gaia bidirecional" foi ótemoooo! Uma conhecida minha, na tentativa de desfazer sua imagem de mal amada, a que não namorava ninguém, chegou ao absurdo de criar um perfil masculino, um cara gato, que mandava altas declarações para sua página e eu só descobri porque morava com ela e jamais recebemos a visita daquele 'modelo'. E pior, depois de um tempo, acho que ela meio que passou a acreditar na própria mentira: agora ela tinha um namorado, de fato!   
A essa altura você deve estar se perguntando: Por que não encerra sua conta, @#$#@$%$#¨$? [E eu lhe agradeço de antemão por seu xingamento] Primeiro, porque moro distante de toda a minha família, alguns amigos/conhecidos cuja trajetória de vida me interessa, e o facebook me permite isso, depois porque cinco dezenas de perfis de notícias, charges, amigos, conhecidos e familiares justificam minha permanência, mas se você se revoltou com esse texto e não me acha mais digna de integrar sua lista vip de amigos eu lhe agradeço sobremaneira pela sua revolta... prova que tem sangue pulsando em suas veias e será um prazer para mim pensar que logo a seguir você usará a opção “desfazer amizade”.   

Agradecimentos: A Guga, que me deu o 'mote' para o texto e todos os demais que enviaram suas sugestões sobre o que mais irrita/revolta no facebook, em especial, ao nosso grupo Meninas (Bella Alencar, Millena Oliveira, Rebeca Lucena, Mikaela Maia e Andreza Veiga). As falas em negrito e entre aspas foram contribuições alheias!